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Foto do escritorSara Mendonça

Dor lombar: como o mundo atual está a mudar o nosso corpo

Atualizado: 20 de jul. de 2022

Uma breve viagem ao passado pode ensinar-nos a melhor forma de evitar a dor lombar. Ora leia.



Nos últimos tempos, li um livro bastante interessante chamado “Alteração Primata” do autor Vybarr Cregan-Reid. Este fala como o mundo de hoje em dia está a alterar o corpo humano. Ora, inspirada pelo livro, resolvi abordar o tema da dor lombar (é atualmente a maior causa de incapacidade no mundo!) e como a vida que levamos contribui enormemente para o seu agravamento. A vida dos nossos antepassados pode-nos dizer muito sobre a melhor maneira de prevenir e tratar a dor lombar, ora leia.




Dor lombar ao longo dos séculos


A dor lombar (dor no fundo das costas) não é nova. A sua primeira descrição encontra-se num papiro egípcio de 1500 anos a.C. .  Durante os anos que se seguiram pouca importância foi dada a esta condição, provavelmente devido à grande disseminação de doenças infecciosas, fome e uma esperança média de vida muito inferior à que temos atualmente[1].


A partir da revolução industrial, começaram a aumentar exponencialmente o relato de casos de dor lombar. Os primeiros relatos surgiram com a construção dos primeiros caminhos de ferro, onde a dor lombar foi a principal causa de absentismo laboral. A dor lombar começou a ser um problema mais predominante com a proliferação das fábricas nas primeiras duas décadas do século XX[1]. A ergomia no trabalho e a crença da necessidade da manutenção de uma “boa postura” surgiu em alguns textos médicos da altura (ver imagem abaixo)[2].


O médico alemão Moritz Schreber estava preocupado com o impacto da revolução industrial no desenvolvimento das crianças, o que levou à sua curiosa invenção.
Invenção para manter uma "boa postura" nas escolas.

Após a II Grande Guerra Mundial os cuidados de saúde tornaram-se mais acessíveis à população e os profissionais de saúde começaram a interessar-se mais pelo tratamento da dor lombar. Tragicamente, as cirurgias à coluna tornaram-se demasiado comuns, bem como a recomendação de repouso. Apesar da melhor das intenções, sabe-se hoje em dia que as cirurgias só devem ser consideradas numa pequena percentagem dos casos e que o repouso é o pior inimigo de uma recuperação eficaz[1].





O sedentarismo surgiu e mudou o nosso corpo


Ao longo do tempo, o corpo humano tem-se mostrado cada vez mais sedentário. Os nossos antepassados caçadores-recolectores percorriam cerca de 8 a 14km por dia e pensa-se que os seus corpos seriam ainda mais robustos que os atuais atletas olímpicos. Imaginem que até para descansar, ficavam agachados (o uso da cadeira tornou-se popular apenas a partir do século XIX). Esta maneira de sentar é algo que ainda se faz em algumas culturas atuais, mas é impensável para a maior parte de nós (ver imagem abaixo)[2].


Uma posição frequentemente adotada pelos primeiros Homo Sapiens, neste caso para fazer utensílios de pedra.
Posição comum dos nossos antepassados.

Hoje em dia, pouco temos em comum com os nossos distantes avós. Passamos grande parte do nosso dia numa mesma posição (maioritariamente sentados), para deslocarmo-nos usamos o carro ou transporte público (raramente andamos a pé) e os nossos trabalhos maioritariamente centram-se no uso de movimento repetitivos (ex.: manusear um rato de computador). Desde crianças que aprendemos nas escolas a ficar grande parte do dia sentados, algo anti-natural para o nosso corpo.


Ora, o nosso corpo foi feito para suprir as necessiadades dos nossos antepassados (pensa-se que os primeiros humanos da nossa espécie surgiram a 300.000 anos a.C.) e não estão adaptados ao nosso estilo de vida muitíssimo recente. Para a saúde das nossas articulações, músculos e ossos temos que movermo-nos muito mais. O nosso corpo é extremamente adaptável, para o bem e para o mal. Ou seja, se exercitar mais o corpo ele adaptar-se-á e ficará mais forte, mas se pelo contrário, ficar mais parado, o corpo cedo adaptar-se-á e ficará mais fraco (a manutenção de maior massa muscular ou de ossos mais densos, exige do corpo maior gasto calórico, e se o corpo notar que estes não são necessários para o dia-a-dia livra-se-á deles de modo a conservar energia – o que não se usa, perde-se).




Exercício: nasceu na Grécia Antiga, popularizou-se nos dias de hoje


Ora bem, pois está mais que visto que o movimento é algo fundamental para a saúde humana. Isto aperceberam-se logo os senhores ricos da Grécia Antiga. Estes não necessitavam de trabalhar (outros trabalhavam por eles), mas cedo perceberam que se nada fizessem arruinariam a sua saúde. Foram eles que inventaram o exercício e os ginásios (de gym-nós, a palavra grega para “nu”) onde faziam competições desportivas sem roupa[2]. Nos dias de hoje, o sedentarismo está generalizado entre a população e o uso de ginásios tornou-se bastante popular, sendo a prática de exercício quase obrigatória, já que para a maioria da população, raras são as oportunidades de nos movimentarmos durante o dia.


Os atuais Jogos Olímpicos foram inspirados no modelo de competição desportiva da Grécia Antiga.
Ginásio na Grécia Antiga.




Dor lombar: a nossa coluna precisa de movimento


Sabe-se hoje em dia que a falta de exercício e a manutenção de posturas prolongadas são grandes inimigos da nossa lombar. Assim como o resto do nosso corpo, as nossas costas adoram mover-se e odeiam estar numa mesma posição por muito tempo (pense na vida super activa dos nossos antepassados pré-históricos). Apesar da crença, ainda muito enraizada, que devemos sentar de forma “correta” para prevenir a dor nas costas, sabemos hoje, através de estudos científicos, que a “ótima" postura não existe, sendo pouco relevante para a maior parte dos problemas de saúde[3]. A melhor postura é sempre a próxima! (ou seja, toca a mexer!).


Apesar das fortes crenças sobre a postura, a evidência científica não encontra nenhuma ligação entre a manutenção de posturas “incorretas” e a existência de maior propensão para a dor nas costas.
Posturas incorretas?

Para quem tem dor nas costas, pode parecer difícil mover-se tendo dor, mas sabe-se que se ficarmos parados, mais o corpo perderá capacidade (o que não se usa, perde-se) e ficará consequentemente mais sensível à dor. A dor é extremamente complexa e no presente ainda estamos bastante longe de a compreender por inteiro. Se a pessoa tem extrema dor ao realizar o exercício, claro que a sua tendência é deixar de o fazer e ter medo. É aí que o fisioterapeuta pode ajudar - descobrindo conjuntamente com a pessoa, maneiras de se mover sem dor ou com dor tolerável. Gradualmente a pessoa irá notar que consegue fazer mais atividades no seu dia-a-dia e a sua capacidade irá aumentar e a dor diminuir. – Infelizmente, mesmo sendo o exercício a forma mais eficaz para o alívio da dor lombar persistente não é ainda amplamente utilizada. Algo que deve mudar - as nossas costas imploram por movimento, foi para isso que foram criadas.




Conclusão


O nosso estilo de vida atual é seguramente bastante mais confortável do que os nossos antepassados. Contudo, esta moderna maneira de viver “reprime” o nosso corpo, feito para o movimento e por isso torna-nos mais susceptíveis à dor lombar. Ora, procure durante o dia, evitar estar numa mesma posição fazendo pausas regulares e tente andar o mais possível diariamente (ex.: evite o elevador, estacione o carro mais longe, entre outras medidas). Faça atividade física regular (ex.: caminhada, pilates, dança, desporto, ou outros) e verá que o seu corpo e mente tornar-se-ão mais saudáveis e as suas costas mais fortes e com bem menos probabilidade de vir a ter dor. Esta é uma lição que vem da história.


Obrigada por lerem,

Sara Mendonça

Fisioterapeuta e Instrutora de Pilates na FisioAjuda - Especialistas na Coluna, Funchal


Conheça-nos melhor em: https://www.fisioajuda.pt/

Morada: Rua Vale da Ajuda 96 - Funchal (ao lado da Farmácia da Ajuda)

Telefone: 964 422 523 ou 291 782 327


Bibliografia:


[1] D. B. Allan e G. Waddell, «An historical perspective on low back pain and disability», Acta Orthop. Scand. Suppl., vol. 234, pp. 1–23, 1989, doi: 10.3109/17453678909153916.

[2] V. Cregan-Reid, Alteração Primata, 2019.a ed. Clube de Autor.

[3] D. Slater, V. Korakakis, P. O’Sullivan, D. Nolan, e K. O’Sullivan, «“Sit Up Straight”: Time to Re-evaluate», J. Orthop. Sports Phys. Ther., vol. 49, n. 8, pp. 562–564, Ago. 2019, doi: 10.2519/jospt.2019.0610.


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