Uma breve viagem ao passado pode ensinar-nos a melhor forma de evitar a dor lombar. Ora leia.
Nos últimos tempos, li um livro bastante interessante chamado “Alteração Primata” do autor Vybarr Cregan-Reid. Este fala como o mundo de hoje em dia está a alterar o corpo humano. Ora, inspirada pelo livro, resolvi abordar o tema da dor lombar (é atualmente a maior causa de incapacidade no mundo!) e como a vida que levamos contribui enormemente para o seu agravamento. A vida dos nossos antepassados pode-nos dizer muito sobre a melhor maneira de prevenir e tratar a dor lombar, ora leia.
Dor lombar ao longo dos séculos
A dor lombar (dor no fundo das costas) não é nova. A sua primeira descrição encontra-se num papiro egípcio de 1500 anos a.C. . Durante os anos que se seguiram pouca importância foi dada a esta condição, provavelmente devido à grande disseminação de doenças infecciosas, fome e uma esperança média de vida muito inferior à que temos atualmente[1].
A partir da revolução industrial, começaram a aumentar exponencialmente o relato de casos de dor lombar. Os primeiros relatos surgiram com a construção dos primeiros caminhos de ferro, onde a dor lombar foi a principal causa de absentismo laboral. A dor lombar começou a ser um problema mais predominante com a proliferação das fábricas nas primeiras duas décadas do século XX[1]. A ergomia no trabalho e a crença da necessidade da manutenção de uma “boa postura” surgiu em alguns textos médicos da altura (ver imagem abaixo)[2].
Após a II Grande Guerra Mundial os cuidados de saúde tornaram-se mais acessíveis à população e os profissionais de saúde começaram a interessar-se mais pelo tratamento da dor lombar. Tragicamente, as cirurgias à coluna tornaram-se demasiado comuns, bem como a recomendação de repouso. Apesar da melhor das intenções, sabe-se hoje em dia que as cirurgias só devem ser consideradas numa pequena percentagem dos casos e que o repouso é o pior inimigo de uma recuperação eficaz[1].
O sedentarismo surgiu e mudou o nosso corpo
Ao longo do tempo, o corpo humano tem-se mostrado cada vez mais sedentário. Os nossos antepassados caçadores-recolectores percorriam cerca de 8 a 14km por dia e pensa-se que os seus corpos seriam ainda mais robustos que os atuais atletas olímpicos. Imaginem que até para descansar, ficavam agachados (o uso da cadeira tornou-se popular apenas a partir do século XIX). Esta maneira de sentar é algo que ainda se faz em algumas culturas atuais, mas é impensável para a maior parte de nós (ver imagem abaixo)[2].
Hoje em dia, pouco temos em comum com os nossos distantes avós. Passamos grande parte do nosso dia numa mesma posição (maioritariamente sentados), para deslocarmo-nos usamos o carro ou transporte público (raramente andamos a pé) e os nossos trabalhos maioritariamente centram-se no uso de movimento repetitivos (ex.: manusear um rato de computador). Desde crianças que aprendemos nas escolas a ficar grande parte do dia sentados, algo anti-natural para o nosso corpo.
Ora, o nosso corpo foi feito para suprir as necessiadades dos nossos antepassados (pensa-se que os primeiros humanos da nossa espécie surgiram a 300.000 anos a.C.) e não estão adaptados ao nosso estilo de vida muitíssimo recente. Para a saúde das nossas articulações, músculos e ossos temos que movermo-nos muito mais. O nosso corpo é extremamente adaptável, para o bem e para o mal. Ou seja, se exercitar mais o corpo ele adaptar-se-á e ficará mais forte, mas se pelo contrário, ficar mais parado, o corpo cedo adaptar-se-á e ficará mais fraco (a manutenção de maior massa muscular ou de ossos mais densos, exige do corpo maior gasto calórico, e se o corpo notar que estes não são necessários para o dia-a-dia livra-se-á deles de modo a conservar energia – o que não se usa, perde-se).
Exercício: nasceu na Grécia Antiga, popularizou-se nos dias de hoje
Ora bem, pois está mais que visto que o movimento é algo fundamental para a saúde humana. Isto aperceberam-se logo os senhores ricos da Grécia Antiga. Estes não necessitavam de trabalhar (outros trabalhavam por eles), mas cedo perceberam que se nada fizessem arruinariam a sua saúde. Foram eles que inventaram o exercício e os ginásios (de gym-nós, a palavra grega para “nu”) onde faziam competições desportivas sem roupa[2]. Nos dias de hoje, o sedentarismo está generalizado entre a população e o uso de ginásios tornou-se bastante popular, sendo a prática de exercício quase obrigatória, já que para a maioria da população, raras são as oportunidades de nos movimentarmos durante o dia.
Dor lombar: a nossa coluna precisa de movimento
Sabe-se hoje em dia que a falta de exercício e a manutenção de posturas prolongadas são grandes inimigos da nossa lombar. Assim como o resto do nosso corpo, as nossas costas adoram mover-se e odeiam estar numa mesma posição por muito tempo (pense na vida super activa dos nossos antepassados pré-históricos). Apesar da crença, ainda muito enraizada, que devemos sentar de forma “correta” para prevenir a dor nas costas, sabemos hoje, através de estudos científicos, que a “ótima" postura não existe, sendo pouco relevante para a maior parte dos problemas de saúde[3]. A melhor postura é sempre a próxima! (ou seja, toca a mexer!).
Para quem tem dor nas costas, pode parecer difícil mover-se tendo dor, mas sabe-se que se ficarmos parados, mais o corpo perderá capacidade (o que não se usa, perde-se) e ficará consequentemente mais sensível à dor. A dor é extremamente complexa e no presente ainda estamos bastante longe de a compreender por inteiro. Se a pessoa tem extrema dor ao realizar o exercício, claro que a sua tendência é deixar de o fazer e ter medo. É aí que o fisioterapeuta pode ajudar - descobrindo conjuntamente com a pessoa, maneiras de se mover sem dor ou com dor tolerável. Gradualmente a pessoa irá notar que consegue fazer mais atividades no seu dia-a-dia e a sua capacidade irá aumentar e a dor diminuir. – Infelizmente, mesmo sendo o exercício a forma mais eficaz para o alívio da dor lombar persistente não é ainda amplamente utilizada. Algo que deve mudar - as nossas costas imploram por movimento, foi para isso que foram criadas.
Conclusão
O nosso estilo de vida atual é seguramente bastante mais confortável do que os nossos antepassados. Contudo, esta moderna maneira de viver “reprime” o nosso corpo, feito para o movimento e por isso torna-nos mais susceptíveis à dor lombar. Ora, procure durante o dia, evitar estar numa mesma posição fazendo pausas regulares e tente andar o mais possível diariamente (ex.: evite o elevador, estacione o carro mais longe, entre outras medidas). Faça atividade física regular (ex.: caminhada, pilates, dança, desporto, ou outros) e verá que o seu corpo e mente tornar-se-ão mais saudáveis e as suas costas mais fortes e com bem menos probabilidade de vir a ter dor. Esta é uma lição que vem da história.
Obrigada por lerem,
Sara Mendonça
Fisioterapeuta e Instrutora de Pilates na FisioAjuda - Especialistas na Coluna, Funchal
Conheça-nos melhor em: https://www.fisioajuda.pt/
Morada: Rua Vale da Ajuda 96 - Funchal (ao lado da Farmácia da Ajuda)
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Bibliografia:
[1] D. B. Allan e G. Waddell, «An historical perspective on low back pain and disability», Acta Orthop. Scand. Suppl., vol. 234, pp. 1–23, 1989, doi: 10.3109/17453678909153916.
[2] V. Cregan-Reid, Alteração Primata, 2019.a ed. Clube de Autor.
[3] D. Slater, V. Korakakis, P. O’Sullivan, D. Nolan, e K. O’Sullivan, «“Sit Up Straight”: Time to Re-evaluate», J. Orthop. Sports Phys. Ther., vol. 49, n. 8, pp. 562–564, Ago. 2019, doi: 10.2519/jospt.2019.0610.
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